segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Oh, Richard!

Eu não sei se você ainda acha que eu sou diferente de todas, mas agora realmente há uma diferença que FAZ a diferença: eu sou a única que anda tecendo teias.
Eu não sei se é resguardo, eu não sei se é medo, eu não sei se é porque eu só consigo me aproximar de você quando você está na extrema sobriedade, mas é verdade que eu sou a única. Como nós fomos chegar a esse ponto?
É claro que é um pouco de culpa minha. Enquanto eu prefiro que você esteja sério, as pessoas preferem te ver rindo por qualquer motivo. Bem, aí fica fácil para elas.
Enquanto isso eu fico imaginando. Enquanto eu não imagino, eu nego, e você deve perguntar o porquê. Eu vou te dizer por quê: porque eu vou querer mais. E pedir não é do meu feitio, pelo menos não a qualquer hora, em qualquer lugar. Eu queria que fosse especial. Se não for, é melhor que nem aconteça. Não quero ter decepções. E eu quero que isso parta de você, para que seja genuíno, que seja do seu jeito. Se eu disser o que eu quero, tenho medo de não ser o que você quer.
Até porque a verdade é que eu não quero nada, não imagino nada, não vejo nada. O que você quiser eu vou querer, e você vai poder fazer o que quiser comigo.
Eu espero que quando esse dia chegar [porque ele vai chegar], você não se decepcione. E que esteja tão sério comigo como esteve esse tempo todo, porque eu gosto assim.
Até porque, suas melhores demonstrações [a mim] não foram feitas à base de ilusórios. Você estava apenas à base de uma felicidade extrema em estar comigo. Será que isso vai se repetir algum dia?
Eu só sei que, enquanto esse dia não chega, eu sinto ódio pelos que conseguem. Mas esse ódio é só enquanto dura o ato. No fundo há um secreto prazer em estar longe. O que não se tem deseja-se mais. Eu não sei se isso acontece com você, porque nós somos tão parte um do outro que você não precisa me usar para me sentir. Mas em todo caso...
ah, deixa pra lá. A minha teia está aqui, ainda. Firme e forte. Esperando por você.
Annie,
a conversa não tomou o rumo que ele queria. Bem feito. Eu sei que você daqui a pouco vai me encher de remorso e pensamentos dolorosos sobre como eu tenho sido má e me comportado como uma velha coroca, mas enquanto isso nao acontece, vou te dizer o que eu sinto.
Eu sinto que cada vez mais me escondo nas únicas armas que tenho: as palavras. É claro que eu nao consigo fazer Richard se ajoelhar por causa delas, mas o mundo não é como Richard. Richard é único, e para ele deixo meu silêncio, porque quem pode dizer é ele. Eu não.
Mas eu não estou pensando nele. Estou pensando em Jack. O mundo ao meu redor é ingênuo e chato como Jack, e faço uso das minhas armas para me trazer um pouco de ego e soberania. As palavras não são minhas, ou melhor, não são eu, elas tem vida propria. Elas se soltam de mim e vagam pelo ouvido alheio como algo inteiramente desconhecido, e então, assustador.
Isso é bom. Cada vez mais tenho me refugiado de palavras difíceis e explicações etimológicas para me convencer do quanto eu posso ser BOA. O mundo então me acha inteligente e feliz.
Agora você deve estar se perguntando a troco de quê eu ando fazendo isso. Afinal é fato que eu não sou uma pessoa burra em questão de conhecimento, mas mais fato é que o meu conhecimento não é tão grande quanto as pessoas pensam. Você sabe que eu ando enganando todo mundo.
Exceto Richard. Ele não se engana comigo, e não deixa que eu me engane. Toda vez que eu penso em mim mesma, eu penso nele. Ele é parte de mim como Jack nunca será. Nem este mundo chato e idiota que eu governo com tanta facilidade e orgulho. Mas que as vezes me enoja.
Bom, voce deve estar mesmo se perguntando. A resposta é que eu não sei. Na verdade eu tenho muitas, mas não sei qual é a verdadeira. Eu só sei que isso não é bom.
Talvez seja o meu senso de atriz. Eu sou uma atriz, representando uma mulher linda e inteligente que tem resposta para tudo à base de palavras difíceis e teorias mirabolantes que, apesar de serem verdadeiras, quase ninguém entende [exceto Richard, é claro]. Então, como eu estou representando, eu sou muito mais fácil de falar e fazer quando sei que estou representando. Não sou nada quando sou eu mesma. Muito menos inteligente. [oh Richard, você é o único que sabe!]
Portanto, quando eu volto a mim, o remorso vem. A atriz chegou em casa e tirou a maquiagem. Que desastre que ela é!
Outra resposta é que esse negócio de machucar está entranhado em mim, na sede de fazer com que as pessoas se ajoelhem diante de mim. Sim, eu sempre tive um rei na barriga. E esse rei é quem manda! Eu gostaria de ser capaz de tudo para chamar atenção. Eu danço para chamar atenção. É verdade que não tenho conseguido tanto êxito, mas quem sabe um dia... e [admito] sou má para chamar a atenção. O mundo está cheio de pessoas que elogiam umas às outras. Outro dia encontrei velhas amigas e fui falar com elas. Eu não podia me portar como eu faço com minhas novas amigas, falando o que eu quero em qualquer tom. Eu tinha que ser uma pessoa cordial e exibir um sorriso parecido com os delas [caso contrario elas desatariam em me olhar de esguelha e falar mal de mim, o que eu incrivelmente não suporto], mas tudo o que eu consegui foi sentir que eu estava fazendo uma careta de hipócrita. Eu tive vontade de arrancar meu rosto naquele dia. Eu não estava linda. Eu estava um lixo.
Bom, mas sobre ser má para chamar a atenção... eu vivo num mundo de pessoas diferentes, e já estou cansada disso. É fato que elas são diferentes, mas é incrivel como elas exibem isso como se fossem um troféu! É CLARO que não é direito eu estar sentindo isso, mas é a VERDADE. Eu não gosto do modo como elas se portam. Eu não gosto do jeito que andam, que se vestem, não gosto dos segredinhos. E gosto muito menos de as pessoas olharem para elas de um jeito feio. Eu tenho trauma de pessoas olhando feio, porque as meninas costumavam me olhar feio. Eu sinto muita pena.
Mas pena hoje em dia é o caralho. Eu sinto é raiva mesmo. Raiva de eles se autointitularem 'anormais'. Eu não gosto disso. Eu até gostava de ser diferente, quando ser diferente chamava realmente a atenção. Só que hoje em dia ser diferente é um saco. Porque todo mundo quer ser diferente, então há uma tal mistura de falta de senso e exagero em roupas, cabelos e gestos que eu fico sufocada. Então eu sou má, faço eles quererem pensar em como eles são idiotas por serem diferentes. Isso vai machucá-los um pouco, mas e daí? Ja me machucaram também.
Estou me dispersando, Annie. Já não sei mais o que escrever. Mas é fato que eu ainda estou com a raiva guardada no peito, e isso me fará parecer mais velha. Não vai não. Eu sou bonita, eu sou jovem, eu saio de casa e me divirto. Mas me divirto mais quando piso nos dedos de alguém.
Falo mesmo.


E na moral, eu não sei como as pessoas NÃO acham que sou má, apesar de tudo. Eu vomito todo tipo de idiotice no ouvido delas, mas elas continuam achando que eu sou alguém de valor. E quer saber? Isso é legal. Isso ajuda a manter a minha soberania no alto.
No entanto, Richard, que é o único que tem o poder sobre mim, é o único que percebe e condena a minha malvadeza. Que estranho, não?
Mas eu sei por que. Porque ele é parte de mim, sim. E não Jack. Não este mundo ridículo, que eu amo governar.

Beijos, Annie. E não venha com pensamentos açucarados para mim.
Da sua malvada,
Capitu.