terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Palhaço GuiGui.

Eu nunca gostei muito de palhaços. Só fui gostar mesmo quando fiz quinze anos e assisti uma apresentação de circo [já fui a muitas, mas não gostava], porque era uma idade em que eu não acreditava mais ser criança, e podia gostar do que quisesse sem aquela pitada de infantilidade. Assim como hoje em dia adoro bebês e bonecas, adoro palhaços.
Mas eu já fui um palhaço. Todos nós éramos, eu, mamãe e meu irmão. Três palhacinhos que alegravam a vida da pessoa mais solitária que eu conheço, isso porque ninguém percebia que mil palhaços não resolveriam a solidão de ninguém. Eu era o único palhacinho que não tinha nome de comida. Eu era o palhaço Guigui. Meu nome não é nada parecido com 'guigui', e um dia perguntei a origem do meu nome, e ele explicou, mas hoje em dia não lembro mais, acho que era alguma música, não sei.
Era alguma coisa como 'o palhaço sorri, e lá se vai a Guigui'. O que isso tem a ver comigo é um mistério.
Eu não gostava do palhaço Guigui. Era um alter-ego que tinham criado para mim aparentemente sem motivo, e eu não me sentia um palhaço, principalmente porque nunca fui criança de dar risada. E eu não gostava de pintar a cara. Mas eu tinha um circo. O mundo em que eu vivia era um circo e eu era o palhacinho principal. Eu me lembro que, embora eu não sorrisse tanto, eu provocava muitas risadas nos outros. Todas as pessoas com quem eu convivia sorriam, e pareciam sorrir de verdade. O mundo parecia sorrir, era a imagem mais sorridente do mundo, um quintal pobre, cheio de capim e ensolarado, uma cadeira de praia na varanda e o condutor do meu circo sorrindo para mim enquanto cantava uma música qualquer. Cada dia era um espetáculo, mas o que eu achava mesmo é que eu não provocava o espetáculo no mundo. Cada pessoinha, cada pedacinho, cada raio de sol fazia o meu circo acontecer, e as pessoas sorriam ao perceber isso. Até o sol brilhava mais, e o dia era mais claro, a vida era mais colorida. Como eu tenho esperança de que sempre vai ser, com a inocência muda, mas feliz, do palhaço Guigui, de quem eu me lembrei hoje com um sobressalto, no carro. Uma surpresa enorme, como se algo tivesse me iluminado na minha memória, e agradeço por ter me lembrado de algo tão precioso que é capaz de me encher de paz.


[Terapia de Pretérito]

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